Gilvam paga fábrica com verba indenizatória
Da Folha de São Paulo
O senador Gilvam Borges (PMDB-AP), afilhado político do senador
José Sarney (PMDB-AP) e com assento no Conselho de Ética
do Senado, destina toda a sua cota da verba indenizatória de
R$ 15 mil mensais para alugar uma fábrica de toldos na periferia
de Macapá. O dono da microempresa é filiado ao PMDB,
partido presidido por Gilvam no Estado.
Gilvam informa todo mês ao Senado que a verba custeia o "aluguel
de imóveis para escritório político, compreendendo
despesas concernentes a ele".
O reembolso dos R$ 15 mil é feito mediante a apresentação
de um único recibo, emitido pelo técnico em edificações
José Emílio Silva dos Santos.
Por ordem de Gilvam, desde janeiro o Senado destinou R$ 90 mil à
conta bancária de Santos. Em 2008, depósitos no mesmo
valor autorizados por Gilvam somaram R$ 180 mil.
A Folha localizou em Macapá, na semana passada, o responsável
pelo aluguel. Santos é o proprietário da uma pequena
fábrica chamada Paratoldo.
Trata-se de um sobrado na periferia de Macapá sem indicação
de que se trate de um escritório político. No térreo
funciona a fábrica -estava funcionando nas duas vezes em que
a reportagem esteve no local.
A Paratoldo contribuiu, em 2006, com R$ 2.300 para o comitê
financeiro único do PMDB no Amapá. O comitê ajudou
a reeleger Sarney.
Santos alegou à Folha que aluga salas para "reuniões
políticas" do senador que, segundo ele, ocorreriam "toda
semana", no segundo andar da empresa.
Ele admitiu que assina os recibos como aluguel e outras despesas,
mas afirmou que, na prática, o dinheiro é também
usado como uma espécie de salário para bancar viagens
que faz com o senador pelo Estado.
Os gastos do prédio com energia teriam ficado entre R$ 3.600
e R$ 3.800 no mês passado. Santos contou ainda que, com o dinheiro,
também "terceiriza" serviços, contratando
funcionários para o senador.
Nos últimos dias, a Folha tentou falar com Gilvam em Macapá
e em Brasília, mas ele não foi localizado. Ontem, sua
assessoria disse que ele estava incomunicável no interior do
Estado em evento da Caixa.
Questionada sobre o aluguel do "escritório" em Macapá,
a assessoria informou que o senador "arredonda" o valor
e que a despesa se encaixa na rubrica da verba indenizatória.
A portaria que instituiu a verba -assinada em 2003 pelo então
presidente do Senado, Ramez Tebet (1936-2006)- prevê a possibilidade
de gasto com aluguel de imóvel, mas só daquele "destinado
à instalação de escritório de apoio à
atividade parlamentar".
O dinheiro pode ser usado para "as despesas da locação,
da taxa de condomínio, das contas de água, de telefone
e de energia elétrica, e com o IPTU concernente ao imóvel
locado".
Na semana passada, o mercado imobiliário de Macapá,
com 359 mil habitantes, não tinha nenhum prédio com
aluguel de R$ 15 mil mensais.
Nos anúncios classificados divulgados pelos jornais, uma casa
com dois andares, duas suítes, garagem para seis carros, dois
portões eletrônicos, piscina e churrasqueira era alugada
por R$ 2.500.
Em Macapá, Gilvam controla pelo menos dois amplos prédios,
as sedes da rádio Antena 1 FM e da TV Tucuju (Rede TV!), que
pertencem à sua família. Segundo políticos ouvidos
pela Folha, Gilvam faz suas reuniões políticas
na sede da rádio, à beira do rio Amazonas. (Rubens
Valente e Silvio Navarro na FOLHA DE S.PAULO)
Valor inclui viagem, diz empresário
O técnico em edificações José Emílio
Silva dos Santos diz que os R$ 15 mil que recebe pelo gabinete de
Gilvam Borges (PMDB-AP) para alugar salas inclui viagens.
FOLHA - O sr. recebe R$ 15 mil por aluguel de prédio...
JOSÉ EMÍLIO SANTOS - Estou querendo
até pedir um aumento para ele, estou gastando muito. Uso o
meu carro, combustível, prédio. [A Paratoldo tem] só
um escritório, uma salinha, mas na realidade lá em cima,
a parte todinha, com sala de reuniões, são cinco salas,
uma sala grande para ele receber as pessoas lá. E eu faço
serviço, sou da base, do interior.
FOLHA - O sr. do PMDB?
SANTOS - Sou.
FOLHA - É funcionário do senador?
SANTOS - Sou, faço esse trabalho. O valor que eles
me pagam é incluindo o aluguel da parte lá de cima,
da área de cima, todinha, resta dizer que é tudo mobiliado,
com móveis, telefone, central e tudo, fax.
FOLHA - Quantas vezes o senador vem aqui à empresa?
SANTOS - Ele despacha aqui (...). Despacha na sexta, no sábado,
dia de domingo a gente vai pro interior, ele roda comigo.
FOLHA - Há muito tempo o sr. trabalha com ele?
SANTOS - Já há muito tempo. Eu tinha até
reclamado na semana passada com ele: "O negócio tá
apertando aí..." Só de energia a gente paga lá
em cima quase R$ 3,6 mil, R$ 3,8 mil.
FOLHA - Só de energia?
SANTOS - De energia. Na sala de reuniões, são
oito centrais lá em cima.
FOLHA - O sr. constrói estruturas metálicas.
SANTOS - É. Fábrica de toldos.
FOLHA - O sr. já trabalhou em campanha eleitoral com
ele?
SANTOS - Trabalho há muitos anos com ele. Pago gente
para trabalhar no escritório. Parece ser [muito] R$ 15 mil
assim. Pois eu tiro dinheiro do meu bolso para cobrir certas coisas.
FOLHA - O sr. emite o recibo como pessoa física.
SANTOS - Recibo como pessoa física. É repassado
como aluguel do estabelecimento, entendeu? Com esse valor custeio
essas despesas todinhas.
FOLHA - Mas no recibo o sr. não coloca essas despesas.
SANTOS - Não. No recibo é colocado como aluguel.
(Rubens Valente na FOLHA DE S.PAULO)