15-08-08
O CHAVEQUEIRO
Ronaldo Duran
Penso na partida
de futebol com amigos do cursinho pré-vestibular. Torturavam-nos
com as cantadas fórmulas de química, física e matemática.
Pipocavam mestres gritando frases, cada uma resumindo um período
da história, da geografia. Quase todos seguiam o modo patético,
melhor, moderno de dar aula. O professor de inglês era um dos
poucos diferentes. A aula valia a pena, eu aprendia. Pobre, dançou.
No semestre seguinte, arrancaram com ele dali, alegando que não
tinha didática.
Mas se me lembrei dessa época nada tem a ver com cursinho. Tenho
saudade. Estava longe de ser o traste em que me transformei. Vão
uns doze anos.
Tenho qualidades boas. Como a maioria dos cretinos, também tenho
qualidades. Não as tenho por convenção. Eu curto
pacas meus três filhos. Adoro minha esposa, pedagoga em início
de carreira, 28 anos, mas muito carinhosa. E, sobretudo, realizo-me
quando estou lecionando.
Sou professor dou tor na faculdade de Odontologia da UEP em Araçatuba.
Há dois anos regressei dos Estados Unidos, onde lecionei durante
um ano. Chamam-me de bambambã na área em que atuo. Ganho
bem para caramba, quando comparado aos meus pares. Me dedico a causas
sociais. Atendo num posto no bairro bem carente de Araçatuba,
e não cobro. Por quê? Ora porque me faz bem fazer o bem
para aquele que precisa.
O lado negativo? Sou chavequeiro. Eu odeio este traço. Mas impossível
negar. O pior é que me dá prazer? Toda vez que chaveco
uma aluna, uma professora ou uma funcionária, seja lá
quem for, e chego em casa e vejo minha mulher e meus filhos, eu fico
me sentindo um lixo. E igual ao alcoólatra, que a cada ressaca
jura que nunca mais beberá, eu faço minhas promessas.
Contudo, quando volto e vejo um anjinho feminino ao meu lado, sei lá,
quando vejo estou chavecando.
Queria ser diferente, ah, como queria. A doença me consome. O
pior é minha fama. Um dia surpreendi duas meninas dizendo que
o professor Marcelo é o maior chavequeiro. Acharam que estavam
sozinhas no corredor, mas eu ouvi atrás da porta. Eu fiquei mal
comigo. Não sabia que era tão chavequeiro. Em geral, os
outros notam nossos piores defeitos primeiro que nós. Cinco anos
de casado, e nunca trair minha esposa. Tá, sou tipo coca-cola,
só agito. Ao passo que tenho colegas que tiveram no mínimo
três casos extraconjugais.
Talvez o chaveco seja a necessidade de me relacionar? De ter novas amizades,
de variar o papo. N ão, não vou me enganar. Se as chavecadas
me dessem bola eu marcava o gol... Não sou inocente.
A maldita consciência é o maior carrasco. Quando ela me
enche muito, tomo a decisão de parar. Passados dias, estou irritadiço,
como um drogado em uma clínica de reabilitação.
Só sossego quando me vejo buzinando no ouvido duma moça.
Às vezes penso em suicídio, ou largar minha mulher.
Ora, sou de carne e osso? Sei que é infantilidade este desabafo.
Amanhã, prometo, vou abrir o jogo com minha Patrícia,
e pedir conselho sobre o assunto. Talvez me mande embora... Quem sabe
seja melhor. Pelo menos será um passo e tanto não precisar
enganar a quem eu amo.
*Escritor, autor
do romance ANDO DE ÔNIBUS, LOGO EXISTO! Disponível nos
sites www.livrariacultura.com.br
ou www.corifeu.com.br
Site do autor: www.ronaldoduran.com