É seu ou é da onça?
Na hora de encurtar
conversa, de desestimular o interlocutor chato ou demonstrar que o papo não
está agradando, ninguém se iguala ao homem do interior da Amazônia.
Exatamente oposto é aquele político demagogo, enrolão,
vaselina, o do irritante tapinha nas costas, que vai entrando como se fosse
o dono de tudo e se conhecesse há anos o cidadão que na verdade
nunca viu. Um dia os dois se encontraram.
Época
de campanha política, o ribeirinho ouviu longe o barulho do motor mas
não deu muita atenção. Continuou sentado no tronco da
árvore caída consertando a tarrafa que tinha arrebentado na
pescaria do dia anterior. Do alto do barranco onde ficava a casa, dava para
ver o estirão do rio acompanhando quem passava por ele. O cigarro de
palha rolava de um canto para o outro da boca enquanto a agulha corria remendando
a tarrafa. Vez por outra o homem olhava para a bela pele de onça pintada
que secava debaixo do Sol forte daquele início de manhã. Três
dias antes quando caçava, quase tinha virado almoço daquela
ex-onça, agora estirada de frente para o Sol.
O barulho do
barco estava bem próximo quase dobrando a curva, bem perto do trapiche
da casa, e foi se aproximando até que o silêncio voltou a tomar
conta do lugar, sinal de que o barco estava atracado. Mas o homem não
deixou o que estava fazendo.
Alguns momentos
depois ouviram-se os gritos dos ocupantes da embarcação. A meninada
desceu a escada até o pequeno porto, e em mais alguns minutos voltou
todo mundo acompanhando uma comitiva de gente da cidade. O homem que parecia
ser o mais importante do grupo, e era, subiu na frente dos outros, parou na
beira do barranco, fez um breve discurso e se encaminhou para o lugar onde
o outro homem, o mais importante da casa continuava de cabeça baixa
atento ao que estava fazendo.
O político,
e era o próprio, falava pelos cotovelos, abrindo e fechando os braços
como se fosse o dono do mundo foi chegando, chegando, e chegou. E o caboclo
lá, quieto.
O candidato tentando
mostrar uma segurança que já não tinha, desarmado pela
indiferença do matuto tentou iniciar uma conversa. Plantou-se na frente
do homem que consertava a tarrafa, apontou para o couro de onça estendido
no varal e perguntou:
"É
onça"?
Não, é
couro", respondeu o caboclo levantando rapidamente o olhar.
"É
seu"? insistiu o candidato.
"Não,
é de onça", encerrou o dono da casa voltando sua atenção
exclusivamente para o conserto da tarrafa que lhe dava o alimento diário.
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