A
mesma notícia, um ano depois.
Antonio Corrêa Neto
O
nome do repórter era Armando, apelidado de "Bossa
Nova". Era um dos mais espertos, no sentido da agilidade,
e também visto como meio maluco entre os colegas da redação
do "O Jornal", o matutino da empresa Archer Pinto. Isso
lá pela metade dos anos sessenta, tempo difícil
de uma ditadura militar que só iria acabar pelo meio dos
anos oitenta. Armando Bossa Nova era repórter policial,
cobria os acontecimentos da cidade de Manaus, onde a violência
ainda era muito pouca, o que limitava o noticiário praticamente
às desordens, pequenos furtos e ainda mais raros acidentes
de trânsito.
Naquele
tempo a direção do jornal usava o sistema de produção
para remunerar os repórteres. Cada um recebia uma pequena
quantia e o restante de acordo coma produção da
semana. O jornal tamanho padrão tinha oito colunas por
página. Assim, se a matéria produzida pelo repórter
ganhasse o destaque correspondente à oito colunas, ele
tinha quatro cruzeiros: se fosse dado quatro colunas de título
seriam dois cruzeiros, e assim por diante. No final da semana
o secretário de redação fazia o levantamento
da produção de cada um, e o gerente pagava.
Uma
terça-feira pela manhã, um cidadão muito
irritado e muito grande também entrou pela redação
com um exemplar do jornal na mão, apontando a página
de polícia e perguntando aos berros: "quero saber
quem foi o filho da puta que escreveu isso aqui"?
O
secretário de redação, que hoje seria o editor
do jornal, tinha pouco mais de um metro e sessenta de altura,
levantou da cadeira, e pediu ao cidadão que tivesse calma
e explicasse o que estava acontecendo. E foi o que ele fez.
A
notícia dizia que José Maria não lembro das
quantas tinha tomado um porre na tarde do dia anterior e completamente
descontrolado, havia quebrado a casa dele, o carro de pipocas
que estava na frente, o vidro do carro que passava nas proximidades
e acabara preso sobre a ponte do bairro Educandos.
O
secretário leu a notícia pausadamente e depois perguntou
ao homem que permanecia de pé, ameaçador, na frente
da mesa do secretário. E travou o seguinte diálogo:
"
O senhor se chama José Maria não sei das quantas"?
Perguntou o secretário.
"O
senhor tomou um porre e ficou completamente descontrolado"?
"Tomei".
"O
senhor quebrou os móveis da sua casa, o carro de pipocas,
o vidro do automóvel que passava"?
"Quebrei".
"O
senhor acabou preso pela Polícia quando chegava à
ponte do Educandos"?
"Foi
sim". Respondeu o homem.
Aí
o secretário já irritado tentou encerrar a discussão:
"ora bolas. Se o senhor tomou um porre, quebrou tudo o que
tinha em casa, quebrou o carro de pipocas, o vidro do automóvel
e foi preso em cima da ponte, tudo do jeito que está escrito
aqui no jornal, o que é que tem de errado com a notícia"?
"Só
tem uma coisa errada", disse o homem rangendo os dentes.
"isso tudo que está escrito aí aconteceu de
verdade, mas aconteceu no ano passado". Algum filho de uma
égua copiou tudo igual ao saiu no jornal do ano passado",
O
secretário olhou de lado para a mesa do Bossa Nova que
àquela altura estava quase escondido pela máquina
de escrever, e disse baixinho: "mais tarde a gente se fala".
E tratou de pedir desculpas e prometer ao cidadão que o
"equívoco" seria consertado.