BASTIÃO DA ETICA NA POLÍTICA
João Silva
O Amazonas, o Amapá, o Brasil, eu, você, todos perdemos
um pouco da nossa esperança com a morte de Jéferson
Peres, gênio do discurso curto e incisivo que aprendi admirar.
Tanto que, passados alguns dias da sua morte e de tudo que já
se disse sobre ele, muito ainda há o que se dizer sobre sua
personalidade forte e insubstituível.
Probo, culto, enxergava o País como poucos; Jéferson
bateu com força nas contradições de Lula, no
excesso de Medidas Provisórias; defendeu a reforma política,
combateu a corrupção, a partilha de cargos, o nepotismo,
o corporativismo, a crise moral.
Anunciou sua desistência da política, das suas nauseantes
entranhas; não pretendia concorrer para renovar mandato em
2010, decepcionado com o Congresso Nacional. Mas disse que não
desistiria do Brasil.
Pretendia voltar à Universidade Federal do Amazonas, de onde
saiu para entrar na política; começou na vereança,
passou pela Câmara Federal e chegou ao Senado. A déia
era proferir palestras para jovens sobre o Brasil e ética na
política, mas infarto fulminante tirou Jéferson Peres
do nosso convívio.
Enfrentou com galhardia rolo compressor do governo que absolveu Renan
Calheiros; lavou a alma dos brasileiros ao afirmar que aquele fora
o “Dia de Finado” mais triste da sua vida. E o dia da
absolvição de Renan, convenhamos, foi mesmo um dia de
finados!
Certo que ética na atividade política é raridade
no Brasil, onde não é fácil se construir uma
vida pública ilibada. Mas o País tem, sim, entre vivos
e mortos, suas reservas morais, das quais o povo brasileiro pode se
orgulhar.
Jéferson Peres é uma delas, ele que construiu uma trajetória
de exemplos em que o discurso batia com a prática dos seus
atos, fazendo lembrar personalidades como Tancredo Neves, Rui Barbosa,
Machado de Assis, Ulisses Guimarães, Teotônio Vilela,
Mário Covas, Darcy Ribeiro, Arthur da Távola, entre
outros brasileiros ilustres.
Nos últimos meses de sua existência e do mandato interrompido
inesperadamente, senador do PDT teve sua vida vasculhada por insidiosa
campanha de difamação incrementada pelo baixo-clero
do Senado, certamente cumprindo ordens superiores. Algumas dessas
hienas da política choraram sua morte, estiveram nas suas exéquias.
Tratava-se de uma trama sórdida, de uma tentativa de fazê-lo
recuar, de fazê-lo desistir das suas convicções
em torno da culpa de Renan e do relatório em que, certamente,
pediria a cassação do senador do PMDB em meio a uma
das crises mais longas e dolorosas do Parlamento.
Ai é que sob ventania com trovões, relâmpagos,
raios cortantes, velha samaumeira não curvou; de pé
confirmou pedido de cassação do senador de Alagoas;
em seguida foi á tribuna para rechaçar desafeto e seus
cães de guarda com uma estocada que entrou para a história
do Senado: “Nada incomoda mais um canalha que um homem de bem”.
Sobre homem de bem e ética, sobre Jéferson Peres e
respeito ao mandato que o eleitor confia aos políticos, nem
a propósito ouvi no rádio declaração mais
que infeliz do deputado federal Jurandil Juarez, segunda qual “ética
é uma palavra gasta”, como se já não bastasse
àquele representante do Amapá que no auge da crise Renan
sugeriu a extinção da Comissão de Ética
do Senado.
Os dois deveriam saber que ética na política é
vital, é como ar que respiramos, até porque os mandatos
que exercem pertencem ao povo, depois aos partidos que os acolheu;
não podem ser usados para outros fins que não sejam
os de interesse comum da sociedade e do País; política
sem ética não existe, o que, em boa parte, explica a
banda podre da classe política brasileira, agora desfalcada
da honradez de Jeférson Peres.