A ESTUPIDEZ DE UM SENADOR
João Silva
Como não cometer uma das duas fraquezas do provérbio
persa - calar-se quando é preciso falar, ou falar quando
é preciso calar-se? Foi então que decidi ser coerente
comigo mesmo; afinal de contas levar desaforo de um senador pra casa,
ainda mais escrito em linguagem chula e desprezível, não
faz meu feitio, basta olhar minha trajetória. Sou homem de
enfrentamento, gosto da discussão, gosto do bom debate.
Claro que eu poderia calar diante da indigência de mal traçadas
linhas, achar que não valia a pena. As sandices que Gilvam
Borges escreveu na edição do dia 11 de novembro do jornal
Diário do Amapá não mereceriam resposta se ele
não fosse Senador da República, se não tivesse
dito tudo que disse; e eu deveria ignorá-lo? As pessoas que
me amam, que me lêem, que me respeitam mereceriam meu silêncio?
A resposta é: não, claro que não.
Em primeiro lugar aquela coisa não seria publicada em nenhuma
outra capital do Brasil, de Belém pra cima. Está eivada
de imprecisões, de mentiras, de desrespeito e insensibilidade;
o senador faz troça de um acidente grave, não considerou
a dor de uma família, de uma moça de 23 anos atropelada
por ônibus conduzido por motorista epilético; ela ainda
resistiu, mas morreu depois de quatorze dias de sofrimento atroz;
eu, meu irmão, muitas pessoas do povo não morremos por
milagre.
Eu sei, todo mundo sabe que o senador não está nem
aí para as coisas que fazem nossa gente sofrer, como a roubalheira
na saúde pública, a carnificina no trânsito de
Macapá, o desemprego, a criminalidade matando estudante na
porta da escola. O senador aposta mesmo é na impunidade, olhando
a gente de cima pra baixo lá de dentro da sua “fortaleza”,
mandato que obteve por vias tortas, com apoio de seu amado mestre,
estimulado por bajuladores profissionais, gente tão intolerante
quanto ele.
Para esclarecer: o incidente com o deputado federal Davi Alcolumbre
(DEM-AP), tentando mudar o voto do eleitor na via pública,
deu-se na véspera da eleição, dia 25; como eu,
o médico e confrade Ubiratan Silva poderíamos voltar
ao dia 22, quando o senador diz que fomos à casa do companheiro
Correa Neto para comentarmos entrevero, pouco antes da fatalidade
que ceifaria a vida de Rosiany do Rosário? Também é
mentira que fomos multados dirigindo na contra mão, já
que meu carro virou um monte de ferro retorcido, e fomos levados pra
casa pela jornalista Márcia Correa.
Outra baboseira dizer que somos filiados ao PSB, que o partido reuniu
para exigir uma quarentena contra urucubaca. Somos jornalistas sérios,
escrevemos para a sociedade, na defesa dos interesses da população
sofrida do Amapá; não vivemos nos corredores da AL,
nas secretarias do governo achacando as autoridades, vendendo nossa
consciência em troca de elogio fácil, da mentira repetida
muitas vezes; temos uma história de luta contra a roubalheira,
contra maus políticos, contra as injustiças perpetradas
por governadores arbitrários ao longo de mais de 40 anos. Isso
o senador não quer entender.
Mas soube colocar na boca de um “amigo” do deputado Davi
criticas preconceituosas que gostaria de me dirigir (“Baixinho
de olho amarelo com cara de macaco da noite”). Como sei que
a ignorância do senador é um fato, pediria ao guru (dele),
José Sarney, explicar ao colega que preconceito racial é
um crime condenado pela Constituição Federal; que o
combate à discriminação racial é um dos
princípios basilares da República, e que discriminar
alguém pela cor da pele, pela cor dos olhos é um delito
inafiançável e imprescritível, castigado com
a pena de reclusão, recentemente classificado no Código
Penal Brasileiro como crime hediondo.
Fica difícil construirmos um País com os maus exemplos
que vêm de cima, de alguém investido no cargo de senador
que acha normal a discriminação racial, a ponto de propagá-la
abertamente através das suas emissoras de rádio, que
não enxerga nada de mais na pressão do poder econômico
sobre a decisão do eleitor e investe furiosamente contra parte
da imprensa que investiga, que denúncia, que não quer
dinheiro nem privilégios dos governantes de plantão.
Gilvan está na política para defender interesses de
grupos, e não para defender a sociedade.
Como senador é filhote de uma perfídia praticada contra
o povo do Amapá; é também a própria inversão
de valores, a intolerância aos contrários, não
gosta da opinião inteligente! É uma figura que não
suporta quem não se curva à sua liderança pequena
e nefasta; seu quinhão na partilha do Governo do Estado é
o que ostenta pior desempenho. Gostaria muito, aliás, que explicasse
como adquiriu e mantém império de comunicação
que cobre quase todo o Estado, como poucos políticos possuem
no Brasil; queria saber como transforma emissoras comunitárias
em comerciais ou enviasse para meu endereço cópia de
pelo menos um projeto de sua lavra aprovado no Senado Federal. Não
valem tolices como a anexação da Guiana ao Amapá
nem o fim do exame de ordem para bacharéis em direito.
Na verdade, acho que o Gilvan está nervoso com o futuro da
família como grupo político em franco declínio,
basta olhar os números que as eleições municipais
produziram em desfavor dos Borges e das suas pretensões em
relação ao que vem por ai, com as eleições
de 2010. Claro que isso vai continuar lhe tirando o sono, até
porque as complicações dessa disputa vão tirar
o sono de muita gente, não só do senador do PMDB.
Para completar, em Brasília, nos bastidores do Congresso Nacional,
nem a galhofa com que vê sua vida e com a qual tenta enxovalhar
a vida dos outros, o liberta da especulação da imprensa
que insiste em saber por que desistira do confronto que marcou com
o senador Mário Couto (PSDB-PA), diante das câmeras da
TV Senado. Fala-se em robusto dossiê, cuja divulgação
Sarney teria segurado, exigindo em troca que Gilvan passasse uma temporada
longe do Senado.
Claro que não vou devolver ao meu adversário as ofensas
preconceituosas que dirigiu a minha pessoa através do fantasma
criado por sua imaginação doentia, até porque
não há nada no mundo que seja tão feio que não
sirva para alguma coisa; vou aproveitá-las para pedir na justiça
indenização por danos morais; portanto processar o senador
“articulista” do jornal Diário do Amapá.
É possível que assim, doendo no bolso dele, aprenda
que mandato não é esconderijo nem arma para destruir
os adversários, mas uma conquista da sociedade, da democracia,
do ordenamento jurídico de um país. É uma delegação
do povo que tem que ser respeitada por quem a exerce.
João Silva - 62 anos, jornalista amapaense.