COMPAIXÃO POR ANA FABÍOLA
João Silva
O assassinato de Isabella Nardoni, praticamente esclarecido, lembra
o suplicio de outro anjo: Ana Fabíola, cujo destino trágico
ainda me comove, passado tanto tempo! Sou pai, mas não sei
se posso mensurar a dor de um homem diante do que restou da filha
destroçada por facínoras, pedaços espalhados
em lugar ermo, para onde, presume-se, haver sido levada, depois de
estuprada e morta.
Infelizmente, a morosidade da Justiça no Brasil é outro
suplício pior que em qualquer outro País em processo
de desenvolvimento. Outro problema é a impunidade, a não
aplicação da lei contra os ricos, os poderosos de plantão,
tanto que se diz comumente que lei e os rigores da lei, em nosso País,
são para pobres, negros, prostitutas, e só.
Quem são, afinal, os indivíduos que assassinaram Ana
Fabíola? O que os levou a praticar brutalidade até agora
não reparada, se é que pode ser reparada, já
que seus autores continuam em liberdade, não foram presos,
não foram denunciados nem julgados pelo crime que cometeram?
Entre os indivíduos que assassinaram mocinha humilde e indefesa
tem gente importante da nossa sociedade? As vozes roucas das ruas
dizem que sim, alguns jornais publicaram manchetes dizendo que sim;
o que posso afirmar é que a vítima nasceu no seio de
uma família pobre, era pobre também; nada possuía,
além do encanto da adolescência e dos sonhos desfeitos
em sangue nas mãos dos seus assassinos.
Crime nenhum deveria ficar impune, criminosos ficar impunes em um
Estado tão pequeno; a lei, neste País, ainda não
dar licença para matar dependendo ou não do status social
do indivíduo! Em São Paulo, a sociedade reagiu, a imprensa
exerceu o seu papel, e o Estado mandou um casal de classe média
alta para a cadeia, tudo no seu devido tempo.
E aqui? Quem submeteu uma moça indefesa ao suplício
do esquartejamento ou coisa parecida? Quem não quer revelar
os rostos dos assassinos até agora escondidos, longe do banco
dos réus ou do cárcere, onde deveriam estar? O que impede
que as investigações avancem, passado tanto tempo desse
crime pavoroso prestes a completar treze anos de impunidade?
O Brasil não é um Estado marginal, o Amapá não
é terra sem lei, não pertence à meia dúzia
de pessoas, estejam ou não de paletó e gravata, estejam
ou não na parte de cima da pirâmide social, tenham poder
ou não; crime de morte é crime contra a vida!
A página em branco que se constitui a ausência de culpados
pela morte trágica de Ana Fabíola, em agosto de 1995,
pode transformar-se numa página virada para sempre, basta lembrar
que crime contra a vida (homicídio), segundo art. 109, do Código
Penal Brasileiro, prescreve em 20 anos; isso preocupa, gera medo,
insegurança, desconfiança.
No curso das investigações, meses depois do crime,
um homem chegou a ser preso, mas libertado em seguida por falta de
provas contra ele; diz-se inocente, está em Macapá,
em liberdade, refazendo a vida, circulando no seio da nossa sociedade.
Não foi o “Gordo”, homem a que me refiro, e parece
que não foi mesmo, insisto em perguntar: quem matou então
Ana Fabíola? Eu, você, a opinião pública,
todos os cidadãos, nós temos direito de perguntar, cabendo
às instituições responsáveis pela apuração
do crime, dar as respostas que a sociedade espera na forma da lei.
Uma moça foi trucidada no encanto da sua adolescência;
não posso acreditar que o Estado, a Promotoria de Justiça,
a OAB/AP, a Comissão de Direitos Humanos da AL e o “Grupo
das Lágrimas”, este tão prestativo em socorrer
famintos de justiça, não estejam fazendo nada para esclarecer
o crime que abalou a sociedade amapaense na metade dos anos noventa.
Enquanto nada acontece, rezemos por Ana Fabíola, por nossas
filhas, por todas as mocinhas pobres, cheias de sonhos, para que não
sejam também seduzidas, trucidadas, mortas e seus criminosos
não fiquem também impunes numa sociedade livre e democrática,
em que nada, ninguém pode impedir que facínoras sejam
presos, julgados e penalizados pelo crime que cometeram.